“No fim desta volta ao mundo a ideia é fazer outra. Não antes, claro, sem descansar, porque já estamos todos partidinhos”. A exclamação pode surpreender muitos, mas dita por Carla Mota e Rui Pinto, de 46 e 47 anos, não podia soar mais natural. Apaixonados por viagens desde sempre, é a meio da jornada que falam com a NiT. A explicação é dada logo a seguir pela viajante.
“Para quem viaja por longos períodos o regresso nunca é uma realidade. O nosso corpo até pode estar em casa, mas a nossa mente continua a vaguear. O que vamos fazer a seguir? A pergunta é feita desde o momento em que chegamos e nos sentamos no sofá e começamos logo a imaginar o próximo desafio”, acrescenta.
Precisamente por pensarem dessa forma, quando a pandemia derrubou o projeto de uma primeira volta ao mundo já em andamento, não demorou para que a promessa de tentar a sua conclusão surgisse. Isto “quando houvesse condições para isso”.
Carla é geógrafa, investigadora e foi líder de viagens na Nomad. Rui é físico e deu aulas numa escola em Guimarães. Eram estas profissões que permitiam ao casal andar a conhecer o mundo juntos desde 2006. Viajavam pelo menos quatro vezes por ano, e tentavam sempre passar pelo menos quatro meses fora de Portugal.
Ainda na década passada criaram um blog “muito amador”, “Viajar Entre Viagens”, e foi mesmo entre destinos que apareceu a vontade de dar uma volta ao mundo. Afinal, as viagens de férias nunca os satisfizeram, “tivessem elas dois dias ou poucos meses”. “Quando me estava a adaptar já estava na hora de me ir embora. Depois, só descansava até comprar o voo seguinte, o que normalmente era sempre no dia a seguir ao regresso”, confessa Carla, em tom de brincadeira.
Com a sensação de que os roteiros eram sempre pequenos, curtos e algo limitadores, depois de uma conversa entre os dois ficou decidido que teriam realmente de parar um ano e fazer a primeira grande viagem em casal. Mas só se conseguissem ser financeiramente independentes. Nesse mesmo dia de 2015 ficou marcado o primeiro dia de poupança de dinheiro.
“Demorou algum tempo, é verdade. Foi muito duro e trabalhoso. Entre dar explicações, ser líder de viagens de aventura de uma empresa no Porto, tivemos vários trabalhos extras e temporários”, nota.
O dinheiro acabou por aparecer, e em 2019 lançaram-se então na primeira volta ao mundo. A 19 de março de 2020 estavam em Nova Zelândia quando a Covid-19 os forçou a desistir. Vieram depois para casa onde — segundo nos contam — em cinco meses, confinados num T1 (sem poderem viajar ou trabalhar por estarem de licença sem vencimento), num cenário de “cortar os pulsos”, gastaram todo o orçamento que sobrava.
Em dois anos voltaram a juntar o valor necessário para embarcar numa nova aventura: terminar a viagem que tinham começado. 2022 seria o ano do arranque e a ideia seria chegar à Nova Zelândia na data em que de lá saíram — 19 de março — através de países e continentes que não conheciam ainda. A partir daí, então, seguiriam o plano inicial. “No fundo, queríamos repetir a tentativa de fazer a volta ao mundo, que na altura não pôde ser concretizada”, esclarecem.
Sete meses após a saída de Portugal e a poucas semanas desse primeiro objetivo, é desde a Austrália que o casal conversa connosco. Tudo parece estar bem encaminhado: a Nova Zelândia será o próximo destino. E se tudo seguir conforme o planeamento, dali será cruzado o oceano Pacífico, utilizando voos e fazendo algumas ligações de barco, para que em setembro deste ano possam dar a jornada como terminada.
A segunda tentativa, porém, está a ser bastante diferente da primeira. “Ao contrário dessa, para a qual tínhamos um programa muito fechado, esta tem sido muito mais espontânea, na medida em que o mundo está a abrir a ritmos diferentes e nós vamos aproveitando isso”, afirma Carla.
Passaram já por África, visitaram depois “ilhas com características muito próprias”, como as Maurícias e Madagáscar, voltaram à Europa, conheceram algumas ilhas gregas e enveredaram pelo Médio Oriente (Líbano, Paquistão e Emirados Árabes Unidos). Logo a seguir, passaram pelas Maldivas e Sri Lanka.
“Tem sido muito diversificado, tanto em termos culturais, como paisagísticos, linguísticos ou gastronómicos. Temos passado por lugares muito diferentes entre si e isso contrasta um pouco com a outra volta ao mundo, onde nos concentrámos mais na parte da Indonésia, onde passámos quatro meses. Desta vez, decidimos não passar tanto tempo num só sítio, para conseguirmos alcançar um dos nossos intuitos: poder conhecer mais lugares, mais pessoas e realidades distintas”, conta o antigo professor.
Para surpresa de muitos, a pandemia foi uma das grandes ajudas para que isso acontecesse. Como havia ainda várias fronteiras fechadas quando partiram, acabaram por não definir completamente o roteiro, o que acabou por lhes conferir uma maior flexibilidade. A passagem pelo Butão foi um dos exemplos de um país que não estava nos planos e que acabou por ser colocado na viagem.
“Quando saímos de Portugal, a fronteira do Butão estava fechada há três anos. Mas quando estávamos no Sri Lanka, soubemos que tinha reaberto e, como estávamos tão perto, decidimos lá ir”, relatam. Ainda assim, admitem que a ideia é tentar viajar principalmente entre ilhas.
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“O fator surpresa e a descoberta, o desconhecido e a sensação de que o mundo é todo nosso e parece que nunca foi visto antes, mantêm a adrenalina e capacidade de nos pôr bem dispostos e animados”. O facto de não saberem o que vai acontecer no dia seguinte, porém, já lhes trouxe algumas peripécias pelo caminho. E se hoje consideram a história do Paquistão engraçada, não têm ainda a certeza quanto ao que aconteceu na ilha de Reunião.
“No Paquistão, chegámos a uma cidade que nunca deve ter recebido turistas. Digo isto porque não nos deixaram sair da estação de comboio sem ser escoltados pela polícia. Levaram-nos, depois, para um hotel e nos dois dias em que andámos a visitar aquela zona tivemos sempre escolta policial”. Sim, é verdade. Carla e Rui estiveram acompanhados por um motorista e um polícia armado e, ainda que no início não tenham achado “graça nenhuma à situação”, no final até tiveram saudades daquela “espécie de guia turístico”.
Na ilha francesa, contudo, a situação foi mais caricata. “Tínhamos estado um mês em Madagáscar, um país africano considerado por muito como menos seguro, mas só depois é que tivemos problemas. De lá fomos para a ilha de Reunião, que à partida seria mais desenvolvida, mas foi aí que acabámos por ser roubados. Entraram no carro que tínhamos alugado e, felizmente, só nos levaram dinheiro”, conta agora Rui.
“Felizmente” porque toda a viagem depende do material de gravação e criação de conteúdos. Embora tenham estabelecido um orçamento inicial de 30 mil euros, os viajantes têm conseguido não mexer nesse valor. “Começámos a produzir conteúdo à medida que viajamos, e esta é, no fundo, a nossa profissão. Por isso, estipulámos que o orçamento iria ser aquele que conseguiríamos fazer com esses conteúdos”, justifica Carla.
Quanto ao que farão no regresso a Portugal, a professora de geografia não tem dúvidas de que em setembro estará a lecionar na escola onde é efetiva. Apesar de nem saber “a quantas anda” e dar a entender que ainda faltaria bastante, garante-nos que se sente realizada a fazê-lo. “A minha vida de sonho seria um ano a dar aulas e outro a viajar”, confessa. Já Rui decidiu mudar completamente o rumo e dedicar-se realmente ao “Viajar entre Viagens”.
“No início, o nosso interesse era pura e simplesmente viajar e partilhar essas aventuras. Mas agora temos as coisas pensadas de outra forma, porque, entretanto, constituímos uma empresa e estamos a tentar produzir conteúdo muito mais diversificado e que ao mesmo tempo nos permita ter a tal independência financeira que nos dá a liberdade para continuar a viajar”, conclui.
Além dos livros sobre os roteiros que já fizeram e dos cursos online que dão para que os participantes aprendam a viajar de forma independente, continuam a partilhar todas as aventuras na conta de Instagram.
Carregue na galeria para ver descobrir alguns dos cenários por onde têm passado nesta volta ao mundo.